Em um dos livros escritos pelo
Antropólogo John Neihardat existe o relato da vida de um velho Índio Sioux
chamado Alce Negro. Este velho Índio curandeiro, também chamado de
“homem-medicina”, chefe da Nação Sioux, traça a história de dizimação e
sofrimento de seu povo ao longo do século XIX. Em paralelo, Alce Negro retrata o
seu desenvolvimento pessoal por meio do qual atinge à condição de Curandeiro. O
curandeiro representava uma referência real para todo grupo. O sentido do
“SAGRADO”, para estes povos, não podia ser dissociado da Natureza. Animais,
plantas, folhas, montanhas, o vento, a água e os insetos, isto é, todos os
elementos da Natureza tinham sua função e eram tratados com respeito por cada
membro da tribo.
Neste
relato intrigante fica nítido o sentido das relações travadas entre o homem e a
natureza pelas tribos do Oeste Americano. Estas relações eram baseadas na
harmonia. No conjunto destas relações, os animais, como um todo, eram
respeitados com se fossem elementos essenciais para a sobrevivência do grupo.
Eram respeitados não apenas em virtude de uma necessidade de sobrevivência
grupal, ou seja, uma necessidade de cunho puramente material, porém antes, ora,
por se apresentarem como um símbolo vivo do mundo. Os animais eram seres vivos
que mereciam reverência e consideração como qualquer ser humano já que
representavam elos da Natureza tão importantes quanto o próprio homem. Com
efeito, os Bizões, ou búfalo Americano, eram cassados somente até o limite
estritamente necessário para o sustento da tribo. Nem mais, nem menos, somente
o necessário. A interrupção da vida dos animais, para algumas tribos, era uma
espécie de ritual. Sabiam sobre o valor da vida e agradeciam ao alimento, deste
modo, os índios comiam e estocavam a carne dos Búfalos para as estações mais
frias e rigorosas. De seu couro confeccionavam roupas e seus ossos eram
endereçados para a fabricação de artesanatos e outras utilidades domésticas.
Nada se perdia. Antes e depois de cada cassada realizava-se uma oração e jamais
a morte de qualquer animal significou um capricho para estes povos.
Não precisamos, é claro, romantizar esta
condição humana do passado, pois sabemos que as guerras e os conflitos também
eram (e são) parte da vida social dos grupos humanos por todo globo, muito
embora tenham assumido um caráter catastrófico na modernidade. A Natureza é
bela e obscura ao mesmo tempo. Seus polos revelam um contraste perturbador aos
olhos humanos, pois suas antípodas estendem-se como tentáculos invisíveis sobre
o seio da própria constituição psíquica de nosso ser. Luz e sombra estão a todo
o momento buscando sua expressão no universo dos homens. Somos como pequenos reflexos
tentando compreender o gigantismo e imensidão da existência, ora como lobos,
ora como presas. O que se pretende frisar, no entanto, é a relação
homem-Natureza tão belamente estabelecida por nossos ancestrais. Algo muito
relevante para nós.
Nestas sociedades, é válido ressaltar, a
relação de respeito entre os homens e os animais sempre prevaleceu, pois cada
elemento da natureza tinha seu significado estabelecido na vida destes povos.
Viver em meio a natureza significava, antes de mais nada, respeita-la e ama-la.
A compreensão do ritmo da natureza nascia
da quietude interior. O fluxo da Natureza sempre apontava para a beleza da simplicidade
da vida: o silêncio e a observação do mundo. Saber observar era muito
importante. Contudo, muitas dessas coisas se perderam ao longo do tempo. Culturas
foram massacradas, a tradição esvaneceu-se e o que nos restou foram os relatos
de um mundo que já não mais existe, ainda assim, não podemos negar que nossos
antepassados possuíam algo que hoje ignoramos, ou seja: A PERCEPÇÃO DA NATUREZA
COMO UM ORGANISMO VIVO. Tudo possui vida
na natureza. Nada se exclui. Não existe algo como “não-vida” e isso ocorre
independente de nossas classificações e crenças pessoais. Todos os reinos da natureza tem a vida como
elo inviolável e continuo.
Portanto, surge a indagação: por qual razão prevalece entre os membros
da sociedade moderna uma tendência implícita em considerar nossa civilização
como o produto final e mais sofisticado da história? Só por que temos Religião
Institucionalizada, livros escritos, laboratórios científicos, prédios, carros,
aviões, sapatos, luz elétrica, celulares e televisão, somos algo como “desenvolvidos”?
Tamanha seria nossa ingenuidade
se considerarmos o mundo através deste único e restrito ponto de vista, pois as
conquistas materiais são apenas os efeitos.
Talvez, por sustentarmos financeiramente frigoríficos e abatedouros sejamos
tão iludidos com nossa técnica sofisticada de matar. Quem sabe? O
desenvolvimento Técnico-Cientifico de nossos tempos é apenas a dimensão visível
da transformação do mundo. Existe, todavia, uma contraparte psicológica, um
reino pouco explorado e entendido, uma porção do homem não contida em livros,
pois o sentido do abstrato não pode ser reduzido a um conceito teórico, embora
o façamos como forma de orientação nas hipóteses que levantamos acerca de nós
mesmos e da Natureza como um todo. Em termos outros, existe uma realidade interna
que não estamos conseguindo compreender.
Por trás dos muros do intelecto, da razão, da emoção, da sexualidade e
dos sentidos, existe uma memória, uma expressão, um motor que move o homem pelos
meandros do mundo. Do que se trata afinal? Vivemos, basicamente, na periferia
de nós mesmos. O “centro” de equilíbrio do ser humano esta profundamente
abalado pela falsa imagem de mundo que construiu dentro de si ao longo da
história. A carga genética que trazemos em nossos genes também possuem uma
memória ancestral que se perde pelo véu do tempo. Desta forma, possuímos um
condicionamento físico-psíquico profundamente arraigado em nossa constituição fisiológica,
mental e até mesmo moral. Somos como uma espécie de Continuidade no tempo que
raramente rompe com seu passado, ou seja, a memória de toda a humanidade. Nossas
escolhas, muitas vezes, não partem de nosso “Livre-arbítrio”, porém desta
memória que nos condiciona de um modo que pouco compreendemos. Em outras
palavras, apenas saímos para vislumbrar o sol quando a escuridão cobre os céus,
então, não raro, tateamos no escuro da noite para finalmente realizarmos nossas
escolhas no interior de casulos que comumente chamamos “realidade”. Portanto, o que nos move pelo mundo enquanto
humanos? Somos conscientes de nossas escolhas? O que significa escolher o
Vegetarianismo como modo de vida? Esta é a pergunta que deve ser feita, pois,
acima de tudo, devemos estar cônscios de nossas escolhas. A atitude vegetariana
é apenas parte de um PROCESSO maior, não um fim, porém um meio.
A vida dos animais nas civilizações
modernas passou a ser tratada através de um prisma completamente artificial, quer
dizer, mais um objeto para uso e descarte humano, logo, um “alimento” que só
pode reivindicar o direito à existência enquanto for lucrativo e saciar o
paladar dos homens. Não é difícil percebermos este processo atroz e, sem
delongas, atribuirmos nosso condicionamento biológico, como a exemplo do
consumo de carne, ao modo e estilo de vida de nossos Ancestrais. Para minha
pessoa esta é apenas mais uma armadilha, mais um mito, de nosso pensamento contemporâneo.
Acreditando no fatalismo do consumo de carne apenas damos continuidade às
forças cegas que nos movem pelo mundo e se confundem com “nós” mesmos. Não há,
portanto, Rompimento, tampouco o que chamamos “Evolução”, somente uma continuidade
horizontal, lenta e vagarosa de nosso desenvolvimento enquanto espécie, isto é,
da memória grupal. Evolução real exige
um desprendimento completo dos hábitos, costumes, ideias e condicionamentos que
preservamos como se fossem inevitáveis e reais. Pois, ora, caro leitor, nossa
postura ética também se origina do Caos, ou melhor, do Caos evidenciado pelo
planeta neste exato momento.
O alimento, de forma geral,
deixou de ser encarado como uma expressão VIVA da Natureza para converter-se em
OBJETO. Tal é o caso. Consumimos carnes e peles, leites, cosméticos e
especiarias de origem animal tal como trajamos nossas roupas, dirigimos nossos
carros e usufruímos das benesses da energia elétrica. Fazer o que? Pois não foi
exatamente este o mundo que nos “ofereceram” ao nascer, não é? O fato é que o
vício do consumo desvirtuou nosso senso de REALIDADE enquanto homens. No fim
das contas a sociedade firmou um pacto dentro da qual vendeu sua liberdade para
adquirir uma embalagem e um rótulo. Esta
troca esta custando muito caro, pois estamos pagando com a própria vida. A
felicidade esta nos shoppings, restaurantes e supermercados, jamais no Recinto
Interior. Para que optar pela liberdade interior se temos dinheiro e então
podemos comprar a felicidade que mora no mundo lá de fora? A ideia central vendida
pela indústria moderna fundamenta-se sobre a ficção de que a Liberdade dos
homens modernos reside em sua capacidade de consumir. Disso, já estamos fartos
de saber. Como pode então, com o passar dos anos, este processo funcionar tão
bem em nossas vidas? O consumismo esta disfarçado de poder, de status e
consideração social. A indústria da carne é a apenas uma das partes mais
obscura deste processo, pois antes de nos alimentarmos do produto,
primeiramente, nos “alimentamos” dos símbolos que estes expressam. Nosso
sofrimento inicia-se na imagem mental para depois se manifestar no corpo,
assim, estamos sempre a um passo atrás, lidando com efeitos em oposição às causas.
O que simboliza o consumo de
carne? O que simboliza a atitude vegetariana? Há tantas coisas a se pensar a
respeito, tantas coisas que podem ser colocadas como motivos, tantas
justificativas que uma nova venda surge para turvar nossas vistas. Mas a
realidade é que estamos completamente viciados em nossos sentidos físicos e o
paladar, nunca é demais salientar, é uma grande ilusão. Só é real enquanto
existe o desejo, a necessidade, o hábito hereditário para o desfrute dos
sentidos. A língua esta sempre a nos enganar, primeiro pelo fala, depois pelo
que degusta. Assim sendo, o que realmente é capaz de nos saciar? O alimento? O
símbolo? A atitude vegetariana? A necessidade de se expressar? No final, também
vivemos em função do estomago e acabamos morrendo pela boca.
Há um manancial incrível de explicações
históricas para as causas do fenômeno “civilizatório” no mundo moderno cuja principal
consequência, dentre outras, resultou no intenso “afastamento” do homem em
relação a seu meio natural, ou ainda: um “rompimento” total em relação á Mãe
Natureza. A Tradição dos povos antigos converteu-se em uma espécie de superstição
social e o que nos restou do passado se
reduziu a uma espécie de narração confusa, indireta e linear do tempo. Claro
esta, todavia, que o termo “Natureza” não pode ser apreendido por meio de uma
visão “romântica” do mundo e do universo, sequer como um conceito mental, um
signo linguístico. Isso tem enredado o homem numa espécie de intelectualização
oca e sem fim sobre o mundo. Tantas teorias e nem mesmo o paladar conseguimos
controlar! Portanto, não podemos reduzir o significado do termo “Natureza” a um
simples pensamento ou conjectura, deste modo, estaríamos acrescentando mais um
tijolo em nossa muralha de ilusões.
O sentido central
do termo “Natureza”, aqui, para nós, esta atrelado as FORÇAS e LEIS que permeiam
todo Universo. São forças que aprisionam ou aperfeiçoam o homem. Liberta-nos ou
nos condena. Tudo esta relacionado à nossa capacidade de percebê-las ou não. No
centro deste drama universal estabelece-se o homem, o epicentro do caos
universal, ora como corpo, ora como símbolo. O homem é como uma linha tênue esticada
sobre dois mundos em franca expansão cuja face real nos escapa, portanto, nos
contraímos e nos esprememos para, enfim, perder o equilíbrio. Caímos e o mundo
todo se parece como um circo de loucos. Levantamo-nos novamente e a imagem que
se tem é que já percorremos tal caminho, o espetáculo continua, no entanto. O
homem é como uma ancora esquecida num oceano de incertezas circundado por
monstros que a todo o momento desejam devorar suas almas. Fugimos pela mente, depois pela boca e tudo
que encontramos é mais um desafio. O fato é que a Natureza não nos permite ser
senhores sobre aquilo que não conhecemos, desta forma, somos quase sempre um
fantoche nas mãos do destino quando acreditamos que a velha e misteriosa
Natureza reside “lá fora”; assim nos isolamos no “canto de cá”, no mundo subjetivo,
e do lado de “lá”, se apresenta a Natureza como um grande enigma. Não seria a
atitude Vegetariana também uma forma de quebrar esta dualidade? Um princípio de
mudança que começa pelo paladar? A natureza não esta apenas lá fora, nos
morros, nas estrelas, nas árvores, nos macacos, nas bactérias, nos mares, nos vulcões
e cânions, pois ora, esta percepção é um equivoco da sintaxe, ou melhor, de
nossa formatação cerebral hereditariamente condicionada, uma representação da
vida, é fruto da frequência de ondas de luz que podemos perceber por meio de
nosso sistema ótico, do conjunto de experiências e memórias pessoais que
intitulamos minhas e “reais”. No fim, resta apenas uma personalidade montada,
erigida e sepultada pelo tempo. Por que isso se parece tão real para nós?
Talvez, porque seja a única coisa que hipoteticamente possuímos como real e
isso é tudo. Por outro lado, o que existe de real é sempre o desconhecido, são
horizontes sempre prostrados para além de nossas imagens mentais. O que
chamamos por “Realidade” deveria ser substituída pelo termo “recorte”. Poderia,
então, a dimensão real da Natureza residir dentro do próprio homem? Vamos
caminhar juntos, caro leitor, olhemos sem medo para tal questão, pois ela é
essencial. O Real só pode ser aquilo que é intrínseco ao ser, Imanente e
inviolável, ou seja, aquilo que não esta sujeito ao tempo e a morte: nosso “Eu”
real, e não nossa memória grupal formadora da personalidade. No fundo, Natureza
e Homem são a mesma e única coisa, apenas se separam, fragmentam-se e se
confundem na medida em que a MENTE racional atravessa nossa percepção do mundo na
qualidade de sujeitos. Neste sentido, o termo “Natureza” passa ser apenas uma re-significação
e não propriamente a Realidade. Quando afirmamos que amamos a Natureza, estamos
amando a Ela própria ou ao conceito construído psicologicamente a seu respeito?
De maneira geral, são os muros, os prédios,
os conceitos e o artificialismo da vida que nos torna um ser mental e
emocionalmente confusos. O sentido da Natureza ocultou-se por trás do nosso
modo de vida, de nossas escolhas, do ser ficcioso que construímos em torno de
nós mesmos. Este processo gerou, por assim dizer, uma completa “artificialização”
de nossas vidas. Portanto, somos mais como OBJETOS REATIVOS dotados de
pensamento e emoção do que realmente “humanos completos”. Isso significa que
esquecemos algo imensamente precioso. Significa que existe uma experiência que
não podemos CONCEBER por intermédio de nossa vida ordinária. Estamos submersos
sob os meandros de uma vida moderna e mecanicista, linear e cheia de auto
importância além de ser, acima de tudo: “institucionalizada”; ou seja, uma vida
configurada com base nas instituições, seja nas cadeiras das escolas, nas portas
a Religião formal, seja nos muros das Universidades ou então na estrutura
familiar. As “fontes” de formação do homem moderno foram delegadas ás Instituições.
Tal
como o petróleo ao longo do século XX transformou o mundo em uma grande fonte
de desperdício e poluição ambiental, o alimento, por seu turno, passou a ser
visto como um mero “combustível” para a manutenção da vida orgânica de nós,
seres humanos. Sem sombras de dúvida, esta atitude reflete um estado
psicológico coletivo plenamente conturbado porquanto, veja só, nossa relação
com os alimentos revela muito acerca de nós mesmos. Esta, talvez, é uma das
razões em função das quais dificilmente compreendemos as culturas tradicionais
ou o respeito à vida como um todo por elas estabelecidas. Não compreendemos por
que estamos imersos sob UM ESTADO de coisas que nos faz prisioneiros. Primeiro nos
escondemos por trás da mente, depois nos prédios das cidades, na alimentação, no
trabalho, na família, nas relações interpessoais e, logo em seguida, vagamos em
nossa própria perspectiva de MUNDO. Assim é que se dá. Como pode nosso mundo,
ao longo da história, se limitar a um supermercado, a um prédio, a um leito de hospital,
as farmácias e, variavelmente, à uma esporádica visita ao campo ou alguma praia
isolada? Afinal de contas, qual o rumo que estamos tomando? Aonde o vegetarianismo
se encaixa? O que, de fato, representa a atitude vegetariana? A resposta é
simples: não compreendemos a natureza enquanto sujeitos psicologicamente
isolados. Em outras palavras: esquecemo-nos de algo essencial. Perceba leitor,
que nossa relação com a natureza esta partindo de uma referencial diferente, de
um prisma invertido, ou seja, à distância. Não nos compreendemos como ELOS,
porém como “linhas” paralelas aos “outros” ou ao mundo. Isolamo-nos
psicologicamente e estamos sofrendo por isso. Nossa perspectiva de mundo esta
partindo de um conceito, de uma ideia, não pela vivência e descoberta. Somos,
neste sentido, tão primitivos como nossos antepassados. A mente esta de um lado
da estrada, nosso coração de outro, no meio do caminho perambulam os homens
tentando se encontrar em meio a um universo de mil faces. Como diria
Shakespeare: “choramos ao nascer porque chegamos a este imenso cenário de
dementes”. O ser humano ainda é um projeto em construção, eis do que estamos
tratando.
Portanto, a viagem realizada pelo homem
moderno deve estar direcionada ao reencontro, à redescoberta, ao vislumbre e a Contemplação.
A mudança real acontece a partir de UMA NOVA FORMA DE PERCEBER O MUNDO. O
vegetarianismo é uma consequência desta PERCEPÇÃO. O Vegetarianismo é uma
atitude prática, simples e cooperativa, sua dimensão ética reconecta o homem a
um estilo de vida simples e sensato. Não precisamos de muito, o acumulo apenas
nos prende com seu peso ao mundo. Não estamos fazendo apologia ao
Vegetarianismo, romantizando uma escolha, ou simplesmente enaltecendo um modo
de vida, uma escolha do sujeito, pois ora, vejamos o mundo caro leitor, ele
esta morrendo, perdendo sua “saúde”; portanto, precisamos de pessoas práticas,
de pessoas que vivam de uma forma consciente, de pessoas que pensem o mundo
pautadas numa ÉTICA UNIVERSAL. Estamos
falando da RECONSTRUÇÂO do sujeito e da atitude vegetariana como parte
elementar deste projeto de homem. Estamos falando do resgate da vida, do
respeito pela natureza, do alimento que ingerimos como uma forma de
transformação positiva do mundo. Não mais podemos separar nossa ética, nossa
alimentação, nosso pensar, nosso agir, nosso querer, nosso ser, ou seja, a
maneira que agimos no mundo como se fossem sítios divorciados de nosso universo
pessoal. Devemos deixar nosso ser fragmentado de lado, abrir mão do nosso ritmo
de vida mecânico, admitir nossa rica capacidade de expressão, pois nossa
reconstrução é um processo que parte da Autodescoberta. A transformação pessoal
floresce de escombros, ruinas, cacos e pedaços. Mas também de pequenos gestos,
atos, simples atitudes. Tudo isso é uma forma de preparação para algo maior,
algo real, sem fantasias e desprovida de desvairos: um reencontro com nós
mesmos! É como um mergulho no passado, mas em um mundo diferente. Não
precisamos voltar a viver em cavernas para restabelecer o equilíbrio, pois
agora temos um mundo diferente em nossas mãos, temos um aprendizado maior em
virtude de caminhos que não devem mais se seguir. Temos alternativas! As
sementes estão aí, semeadas pelo mundo. Para tanto, o vegetarianismo não pode
ser reduzido a um capricho egocêntrico, demasiadamente pessoal, meramente
focado em si mesmo, pois repito, o vegetarianismo é um meio e não um fim em si
mesmo. A dimensão ética da atitude Vegetariana é enobrecedora além de
representar um elemento vivo da Compaixão, ato sublime dos homens. O
vegetarianismo é parte deste PROCESSO humano de emancipação, pois O
VEGETARIANISMO É UMA FORMA DE HUMANIZAÇÃO DO HOMEM.
Estamos,
como indivíduos, tentando compreender a NATUREZA de forma indireta, ou seja, por
meio da Racionalidade e da Emocionalidade enquanto forças motrizes divorciadas
de nossa Percepção. Normalmente, tudo isso é encarado como óbvio, algo pronto e
definitivo. É irônico observar como nossa Racionalidade se confunde, se
complica e se perturba ao perceber que não pode se auto-realizar enquanto
elemento isolado no mundo. Quando o homem se sente psicologicamente isolado
cultiva, paralelamente, as raízes do medo em seu coração. E o medo destrói nosso senso de dignidade. Sim,
caro leitor, a sensação de isolamento psicológico, tão comum em nossos dias,
pode ter origem através de nossa profunda desconexão com a Natureza.
Tudo que se isola na Natureza esta predestinado
a Reintegração. Cedo ou tarde os elementos voltam ás suas respectivas causas,
retornam a sua origem, o homem finalmente mergulha em sua própria memória e se
depara com todos os personagens de sua vida, as estrelas explodem e se desfazem
em poeira cósmica, as maiores árvores esvanecem-se, secam e morrem, a borboleta
sai de seu casulo, encontra a liberdade para então morrer dentro de algumas
semanas. Tudo é um entre um milhão de caminhos como dizia um velho Índio Yaqui
do México. O inconsciente humano é como uma ave de arribação: sem origem e destino
certos. Guia-nos pelo mundo como se fossemos uma carruagem desgovernada
pairando sobre continentes e oceanos,
ora sonhando, ora desejando, ora amando, ora sofrendo e desejando mesmo a morte.
De um ponto a outro, nossa existência se manifesta como um ato singular e universal
da Natureza. Talvez, no fundo, o mundo inteiro assemelhe-se ao corpo humano,
pois no fim tudo retorna ao ciclo vital do ecossistema: decompõe-se até tornar-se
algo inexistente aos olhos. Como o processo da vida é realmente incrível. Hoje,
estamos escrevendo textos, amanhã, vivendo no desconhecido. O futuro é uma
representação realmente intrigante e espantosa, pois onde tudo parece se
encaixar a mão do destino embaralha novamente as cartas. Projetamo-nos no
futuro e deixamos de lado o presente. Tentamos vivenciar o presente e, por
outro lado, o que temos é um ser frágil e duvidoso, ou seja, uma espécie de
passado se passando por “agora”. Aonde nos situamos na teia do tempo, caro
leitor? Nossos destinos se encontraram aqui e este é um fato incontestável.
Precisamos deixar
claro que a atitude Vegetariana é mais do que uma escolha pessoal, pois também
é um principio de Compaixão. Compaixão é desprendimento de si mesmo, é uma
forma sincera de autodoação, coragem e visão de mundo. Somos seres egocêntricos
e isso nos limita enquanto seres humanos. Mas, acima de tudo, somos uma
POSSIBILIDADE INFINITA de evolução. Eu sempre friso esta frase em meus textos,
pois não podemos nos esquecer disto. Não basta negar nosso egocentrismo por
meio dos conceitos preexistente em nossas mentes, de uma pretensa auto piedade,
pois nosso ego se manifesta nos atos mais invisíveis e pequenos. As questões
ambientais, sociais e politicas sobre as quais a pratica Vegetariana exerce
profunda influência é apenas o efeito de uma atitude que possui motivos pouco
compreendidos, motivos mais profundos e recônditos em nosso interior. O
vegetarianismo como uma forma de humanização esta intimamente atrelado a nossa
tentativa de reconstrução do mundo. Queremos isso para nós, para nossos filhos,
para nossos irmãos que vivem por toda terra. Queremos um mundo baseado em
princípios reais, não fictícios; para tanto, a expressão maior deve partir de
dentro, do coração, de nosso intimo mais sagrado. Assim, podemos dizer: estou
vivo!
Finalmente, para
se ter uma simples ideia de nosso desafio rumo a liberdade eu cito um exemplo
espetacular que vejo pelo mundo: os Raja Iogues Indianos. Para os Iogues indianos
a vegetarianismo é uma extensão de AHIMSA, ou seja, o que trivialmente conhecemos
como “não violência”. O termo Sânscrito AHIMSA tem um sentido muito mais vasto
do que o comumente traduzido para o português, pois esta relacionado à prática de
austeridade baseada no respeito por TODOS os seres vivos, seja pessoas, animais
ou plantas tal como o respeito voltado para si mesmo ao se evitar pensamentos
negativos. Respeito e Compaixão sãos as bases de AHIMSA. Desta maneira, o
vegetarianismo é apenas um simples, porém relevante decorrência desta prática
Maior. AHIMSA é parte do primeiro estágio da CIÊNCIA do RAJA IOGA. Este sistema
de IOGA foi prescrita pelo Rish (sábio) da Índia antiga chamado “Patanjali”. AHIMSA
é um dos “braços” de YAMA. YAMA, por seu turno, é composta de AHIMSA, SATYA,
ASTEYA e BRAHMACHARYA. A prática de Yama, no entanto, é somente a primeira
dos oito estágios subsequentes, ou seja, é apenas uma preparação, é a base que se
constrói no ser humano para a conquista de “SAMADHI”, isto é, a liberação
completa da mente. A destruição total e completa da ilusão do mundo que nos
sustenta enquanto sujeitos reais.
De fato, ao se analisar a Ciência do Ioga como um processo prático de
emancipação da consciência humana, pois todo processo é baseado em uma
verdadeira técnica, sinto-me como se fosse ainda um embrião, um pálido esboço
de homem, um projeto mal acabado de ser, ainda tentando remodelar o paladar e
os pensamentos. É incrível como ao tomar contato com algumas filosofias e
práticas ascéticas pelo mundo antigo, ainda que teoricamente, fico intrigado
com este Universo “tão fantástico aos nossos olhos”. Como sou pequeno e minúsculo!
O mundo me fascina e cada vez mais percebo a extrema necessidade de EVOLUÇÂO
CONSCIENTE de nossa espécie. Não há outro cominho para a auto-realização. A
Natureza nos “empurra” até certo ponto, contudo, a partir de certos estágios
dentro das cadeias evolutivas do Universo, somos nós quem decidimos o que fazer
com o nosso tão estimado “livre-arbítrio”, pois é como indivíduos que tomamos
nossas decisões e arcamos com as consequências de nossos atos e assim, ora,
podemos despontar para alturas que sequer nossos horizontes mais vastos
poderiam abarcar com sua rica imaginação. Não é a fantasia, porém a PERCEPÇÃO
que nos deve guiar. Existe um conhecimento no mundo que só pode ser acessado
por meio de uma busca incessante e sincera, uma busca que parte do coração dos
homens. Este conhecimento esta reservado aos homens que são capazes de se doar
e esquecer-se de si mesmos. Quem esta disposto a tal beatitude? A vida é um
eterno Sacrifico e exercício de Auto Entrega. A Tradição-Sabedoria esta
presente na essência das maiores conquistas da humanidade e, no final, somos
apenas pequenos peregrinos a procura de seu lugar ao sol; não obstante, uma
decisão é imprescindível: que rumo devemos tomar? Há tantos caminhos como
pessoas pelo mundo afora e o que nos cabe enquanto sujeitos é converter nossas
ideias, pensamentos e projetos em atitudes práticas, em ação, isto é,
precisamos plantar uma semente. Esta semente será o mundo de amanhã. Esta
semente será nosso legado á humanidade, pois ainda que nossos corpos
desapareçam pela imensidão do mundo e finalmente se renda ao poder absoluto do
tempo no ato final da existência, as ideias sinceras e fieis, por sua vez,
permanecerão vivas no coração dos seres humanos por eras inteiras. A humanidade
é como uma grande memória que se regenera incessantemente. Assim só podemos
atingir a vida eterna através dos atos que partem do recinto SAGRADO, dos atos
que partem do coração. Somente somos vivos enquanto podemos amar. Apenas pelo AMOR
INCONDICIONAL nos tornamos Imortais. A semente que plantamos decidira o inicio sadio
de uma sociedade que surge pelo planeta ou o fim trágico de uma civilização que
fenece. Estamos psicologicamente doentes, mas temos um poder imenso em nossas
mãos. Tudo esta interligado. Tudo é uma teia intrinsicamente entrelaçada,
imensa e poeticamente bela. Tudo é um
entre um milhão de caminhos! No universo o que se separa, cedo ou tarde,
reintegra-se. É uma LEI da vida, da Natureza, que o fim reconecte-se com o
principio. É o circulo que se fecha, é a serpente que morde a própria cauda, é
o simbolismo universal que jamais perece. São as antípodas que se cruzam no
final e de seu toque perpetua-se a vida como num ato magico, é a longa vida de
uma estrela que se dissolve no Éter Universal para que então tudo volte a ser
perfeito como no principio: Vazio, Completo e SAGRADO. Assim, talvez um dia, voltemos
a viver como os Iogues da Índia Antiga ou como aqueles velhos e Sábios Xamas do
Oeste Norte-Americano, ou seja, com os pés tocando a terra, mas a mente, a
verdadeira mente, tocando as estrelas. Tudo isso no silêncio da contemplação.
Esta é minha mensagem a todos
vocês que chegaram até aqui. Obrigado de coração pela leitura. Que Deus, a
eterna NATUREZA inconcebível presente no coração dos homens, abençoe nossas
vidas com o dom da Sabedoria e da Liberdade e que a Paz seja nosso destino como
homens. Obrigado novamente. Dedico á vocês uma mensagem de nosso querido Índio
Xama Alce Negro:
"Eu continuava montado no meu
cavalo baio, e de novo me apercebi dos cavaleiros do oeste, do norte, do leste
e do sul em formação atrás de mim, como anteriormente, enquanto nos dirigíamos
para leste. Olhei em frente e vi as montanhas cobertas de rochedos e florestas,
e das montanhas faiscavam todas as cores até aos céus. Vi-me na mais alta
montanha de todas as montanhas e lá embaixo, a toda volta, estava o Círculo
completo do mundo. Enquanto ali estive, vi mais do que posso contar e
compreendi mais do que consigo ver, pois enxergava no espírito, de modo Sagrado,
as formas de todas as coisas, e a forma de todas as formas tal como devem viver
juntas, como um único ser. E vi que o Círculo sagrado do meu povo era um dos muitos
círculos que faziam um só, vasto como a luz do dia e a luz das estrelas. E no
centro crescia uma imponente árvore florida para abrigar todos os filhos de uma
só mãe e um só pai. E vi que era sagrada."